Por Victória Alcântara

A cada dois minutos uma mulher se torna vítima de violência doméstica no Brasil. Foram 263.067 casos de lesão corporal dolosa só em 2018, segundo levantamento feito no 13º Anuário de Segurança Pública (FBSP, 2019).

Apesar dos dados já serem alarmantes, medidas adotadas para combater o coronavírus podem causar ainda mais preocupações para as mulheres. Pesquisadores e instituições de todo o mundo sinalizam que o isolamento social, somado aos conflitos dentro de casa, intensificam a vulnerabilidade das vítimas.

ISOLAMENTO SOCIAL E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta as casas como os ambientes mais seguros durante a pandemia da Covid-19. No entanto, para muitas mulheres, o lar significa justamente o contrário. Isso porque 42% das vítimas de violência doméstica afirmam que a casa é principal local de agressão.

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), só no mês de março de 2020, houve um aumento de 9% de denúncias, quando comparado aos primeiros dias do ano.

Apesar dos dados alarmantes por todo o Brasil, em Belo Horizonte o efeito foi justamente o contrário. Levantamento feito pela Polícia Civil de Minas Gerais mostra uma queda de 23% de denúncias no mês de março.

Número de denúncias feitas à PCMG entre janeiro e março de 2020. Gráfico: Victória Alcântara.

A delegada Isabella Franca de Oliveira, da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, destacou que, apesar dos dados, ainda não é possível dizer se ocorreu uma redução nos casos de violência doméstica. “A subnotificação é uma preocupação da polícia, pois as mulheres podem estar sendo vítimas de violências diversas e não acessar os serviços”, relatou.

UM PROBLEMA FAMILIAR

A violência contra mulher é fruto de uma cultura patriarcal, construída de maneira assimétrica entre gêneros. A atribuição da esfera pública ao lugar de protagonismo dos homens, e da esfera privada à mulher, estabelece uma divisão hierárquica nos relacionamentos.

Na sociedade patriarcal, o homem assume lugar de provedor da família e o faz, consequentemente, responsável pelas decisões. Enquanto isso, a mulher precisa cuidar da casa e ser submissa ao marido. No entanto, mulheres da sociedade moderna, dificilmente, cumprem tal papel. Segundo dados da pesquisa Pnad Contínua (2019), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. Essa saída da mulher para a esfera pública causa “desequilíbrio” nas relações.

Nesse sentido, Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da UFMG, destaca que crimes contra a mulher têm origem nos papéis dos gêneros.

“A violência doméstica e intrafamiliar é uma expressão óbvia da desestabilização desses papéis historicamente construídos na sociedade. A gente pode dizer que não é trivial e não é em vão que, quase 70% das figuras de agressores de mulheres são seus próprios companheiros”.

A pesquisa Visível e Invisível: A vitimização de mulheres no Brasil – 2ª Edição (Datafolha/FBSP 2019) constatou que 76,4% das vítimas conheciam o agressor. Esses dados comprovam que, na maioria das vezes, a violência surge nos lugares considerados seguros, como o núcleo familiar.

TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A violência contra a mulher quase nunca começa com o feminicídio. Antes da violência evidente, que deixa marcas físicas, outros tipos podem acontecer. A Lei Maria da Penha define cinco formas de violência familiar. São elas:

Violência física: entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal de uma mulher. Apesar de ser a primeira citada, a violência física geralmente é a última a acontecer.

Violência psicológica: qualquer ato que cause dano emocional ou prejudique o pleno desenvolvimento da mulher. Isso inclui ameaça, manipulação, humilhação, isolamento, insultos, entre outros. Embora não seja a mais falada, esse tipo de violência afeta grande parte das vítimas.

Esse é o caso de Alessandra Fonseca, moradora do bairro Palmeiras e vítima de violência doméstica.

“Física não, mas houve muita agressão verbal. Ele atingia pelo psicológico. Ele chegou a dar um murro na geladeira, afundando a porta, mas acredito que, se não tivesse feito isso, ele teria feito em mim”, conta Alessandra.

Violência sexual: qualquer conduta que constranja a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada. Ou seja, trata-se de forçar relações e atividades sexuais ou, até mesmo, impedir o uso de métodos contraceptivos e limitar o exercício dos direitos sexuais.

Violência patrimonial: refere-se a retenção, subtração, destruição e controle de documentos pessoais, bens e objetos da mulher.

Violência moral: fazer críticas mentirosas, expor a vida íntima, humilhar publicamente e desvalorizar a vítima. Esses são alguns exemplos de violência moral, de acordo com o Instituto Maria da Penha.

Todas as violências citadas são maneiras de manifestar o desejo de controlar os corpos das mulheres.

O CICLO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Em grande parte dos casos, diferentes tipos de violência acontecem de forma combinada. É o que diz o estudo Multipaíses, realizado pela OMS no Brasil (Estudio multipaís de la OMS sobre salud de la mujer y violencia doméstica, 2002). Segundo a pesquisa, a maioria das agressões conjugais reflete padrão de abuso contínuo.

Para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), esse padrão de abuso contínuo se chama Ciclo da Violência Doméstica. Isso porque as agressões conjugais acontecem em fases que se repetem constantemente.

Esse processo cíclico se inicia pela fase 1, chamada de aumento da tensão. Nesse primeiro momento, o agressor está tenso e irritado, o que passa para a vítima uma sensação de perigo iminente, por isso, ela tenta evitar qualquer “motivo” para a explosão.

Em seguida, vem o ataque violento. É nessa etapa que acontece a explosão violenta do agressor e ele agride a vítima.

A última etapa é a do arrependimento, também conhecida como lua de mel. O parceiro pede perdão, promete mudar e se mostra carinhoso e calmo. Depois desse momento, há um período calmo, onde as coisas realmente parecem ter mudado.

Por fim, as fases voltam a se repetir, com episódios cada vez mais graves de agressão.

O ciclo da violência leva mulheres a permanecerem em uma relação violenta por muito mais tempo. Por isso, a pessoa que está nessa situação precisa de apoio para compreender e romper o ciclo completamente.

“As portas de saída para um relacionamento violento e abusivo são bem-sucedidas justamente quando as mulheres encontram no seu entorno mais próximo, seja entre amigas, em um grupo de apoio feminista, centros de referência de atendimento às mulheres em situação de violência”, afirma Marlise Matos.

COMO DENUNCIAR NA QUARENTENA 

As denúncias de violência doméstica podem ser feitas pelo Ligue 180, que é gratuito e totalmente confidencial.

Assim como o Ligue 180, a Delegacia de Plantão Especializada em Atendimento à Mulher em Belo Horizonte também continua atendendo em tempo integral, de forma presencial e, agora, também de forma remota.

Além disso, o aplicativo MG Mulher, desenvolvido pelo Governo de Minas Gerais, oferece conteúdos informativos sobre violência contra mulher, além de suporte às vítimas e serviços rápidos de contato em caso de emergência.

Outras cidades também adoram medidas parecidas e mudaram o atendimento durante a pandemia.