Por Davi Bicalho, Paulo Alfaro e Starley Alexandre

O Brasil é uma república federativa presidencialista, dividida entre órgãos políticos distintos. As noções básicas deste sistema são imprescindíveis para o cidadão, uma vez que a estrutura política interfere diretamente na organização social da população na qual ele se insere. Nesse sentido, as escolas podem ser um componente essencial para a educação política do brasileiro. Em outras palavras, a falta de aprofundamento desse tema no ensino pedagógico do país gera efeitos consideráveis na sociedade.

Para entender o problema, conversamos com Ademar Ferreira Martins, cientista político com especialização em jornalismo científico, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e assessor parlamentar na câmara dos deputados. Ele lamentou a falta de educação básica, o debate raso, a desvalorização de disciplinas humanitárias, bem como uma crise de pertencimento do brasileiro. Confira a entrevista completa.

Ademar Martins. Foto: Arquivo pessoal.

DaquiBH: Você concorda com a afirmação: “Tudo é política?”

 Ademar: Sim. Tudo é política. A negação da política também é política. Não votar ou não participar do processo eleitoral são atos políticos. A vida em sociedade pressupõe o convívio coletivo. Todos participamos da vida em sociedade. Logo, a atividade de existir, vestir roupa, pagar contas, trabalhar e estudar são atos políticos.

                DaquiBH: Para você, o Brasil carece de uma educação política? Se sim, por qual motivo?

 Ademar: O Brasil carece de um projeto de educação básica. O exercício da Democracia, ou do debate político, ganhou força nos últimos sete, oito anos (jornadas de junho de 2013) e a baixa educação em geral nos levou a um cenário de efervescência política com baixo debate. Logo, a falta de educação política é mais um reflexo da falta de educação básica (funcional) em geral.

DaquiBH: Em quais situações fica mais evidente essa falta de educação em nosso país?

Ademar: No debate, que é muito raso, pautado por temas morais e não em temas como ‘onde deve ser empenhado o dinheiro dos impostos’. O Brasil não tem um debate sobre seu futuro nem no médio nem no longo prazo. Somos uma sociedade que fica tentando cobrir o pé e a cabeça com o cobertor curto, com alguns querendo privatizar (obter renda) do aluguel do cobertor.

DaquiBH: Você acha que as escolas deveriam se aprofundar em política no ensino pedagógico? Se sim, a partir de qual nível de ensino?

Ademar: Nosso modelo de educação absorve muito esse modelo hoje quase que absoluto da competição e da formação técnica, que tende a abolir questões humanistas (artes, sociedade e política). As eleições para conselhos de classe deveriam, a meu ver, começar junto com o aprendizado da leitura e da história do país e das cidades.

DaquiBH: Qual seria exatamente o tipo de educação política que você idealiza? Está ligado a aspectos estruturais e noções básicas ou aspectos ideológicos?

Ademar: Como estamos no Ocidente Democrático que trabalha com eleições diretas, o modelo a ser seguido deveria ser este mesmo. Sempre as noções básicas (exemplos dentro da sala de aula) de debates, votações, entendimento de legislação em sentido amplo (conceitos básicos).

DaquiBH: Quais as consequências de uma falta de educação política na sociedade?

Ademar: Nossa jovem democracia tem pouco mais de 30 anos da experiência do voto direto. E nesse período já tivemos dois presidentes impedidos, Collor e Dilma. O sistema presidencialista aliado a baixa educação política é um caldo quase que perfeito para a presença de líderes populistas e para o enfraquecimento dos partidos políticos.

DaquiBH: Paulo Freira afirmava o seguinte: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”. A falta de inclusão desse tipo de educação nas escolas pode ser considerada uma estratégica política, em seu ponto de vista?

Ademar: A elite brasileira sequer tem um projeto de país, pois enxerga aqui como um purgatório. O brasileiro ainda não tem a identidade nacional de pertencimento ‘ambiental e social’. A crença que parece ter prevalecido nas décadas passadas é que o Estado cumpriria este papel de reduzir nossas falhas na formação de cidadãos políticos, mas o Estado está em disputa, e não temos alguém que enxergue esta demanda (formação nacional) como fundamental para mais democracia e mais Cultura Política em nosso povo.