Por Luis Otávio Peçanha e Mylene Alves

Viver na capital mineira pode ser uma constante descoberta de que o belo horizonte é apenas uma das coisas incríveis que temos por aqui. Tendo em sua história grupos como Skank, Banda Sepultura e o Clube da Esquina, Belo Horizonte prova que desde muito cedo  garante seu espaço no cenário musical. 

A cidade também é o berço, por exemplo, de Toninho Horta, que, além de representar muito bem BH,  também tem uma carreira recheada de prêmios, entre eles três Grammys latinos. O último deles foi conquistado em 2020, justamente com o álbum “Belo Horizonte”, que faz referência às suas origens. 

Atualmente, o jeito de consumir música mudou, sobretudo em virtude da plataformização e das redes sociais, que muitas vezes ditam quais artistas e músicas terão sucesso. Mesmo assim, mineiros e mineiras, mais especificamente belo-horizontinos, continuam sendo uma parte brilhante desse espaço. 

Como destaques, nesse momento saltam aos olhos os rappers Chris Mc, Djonga e FBC. Já no mundo do funk, o município apresenta MC Rick, MC Zaquin e o DJ Wesley Gonzaga, responsáveis por grandes sucessos que se tornaram trilha de milhares de vídeos em  redes sociais como TikTok e Instagram.

Em entrevista para o Jornal DaquiBH, o rapper Fabrício, mais conhecido como FBC, ou até mesmo Padrim, narra a influência que os ambientes da cidade tiveram em seu modo de fazer arte. O rapper nasceu em BH, morou em diversos lugares da capital e, atualmente, vive no bairro Cabana do Pai Tomás, na região oeste. 

“Quando a gente faz rap, geralmente está em um lugar de querer passar um ponto de vista diferente para quem está perto da gente. Muitas vezes é onde tem mais influência do crime, onde as pessoas não são tão esclarecidas, e a gente tenta mostrar ao mundo, a profundidade da arte, com coisas que elas entendam”, pontua o artista. 

O INÍCIO DA TRAJETÓRIA

Fabrício iniciou sua carreira há 18 anos. Algo que faz seu trabalho se destacar é, segundo ele, entender que o sentimento é a linguagem universal: todo mundo sente e todo mundo vive. Vindo de uma realidade difícil, FBC reitera que a necessidade foi seu maior ‘apoiador’ e que, saber de onde veio, a razão pela qual lutava, as pessoas pelas quais lutava e tudo que representava sua arte era o que o motivava. 

Participante ávido das batalhas de MCs no Viaduto Santa Tereza, FBC marcou presença nos eventos da primeira até a última edição, antes da interrupção para respeitar as medidas de isolamento da pandemia de Covid-19. O rapper salienta  a importância do ambiente para Belo Horizonte, não só para os artistas, mas para toda a sociedade. 

Reprodução: Flickr

“Todos os movimentos sociais que ganharam força em BH passaram e se fortaleceram ali. O baixo-centro foi o berço das “ocupas” que teve na cidade, e não só a galera do hip hop, como as outras frentes de luta também, a galera LGBTQI+, o movimento negro e todos os movimentos estudantis, então o viaduto sempre cumpriu esse papel político desde a sua criação”, explica.

Embora tenha toda essa representatividade e existam vozes que carregam um enorme significado para diversas pessoas, os artistas de BH ainda desfrutam de um espaço diferente do que possuem os artistas do eixo São Paulo – Rio de Janeiro. 

FBC observa que o cenário seria melhor se fosse construída uma estrutura entre os artistas que nasceram aqui. “Enquanto não criarmos uma estrutura, enquanto os artistas daqui não criarem a própria estrutura, a visibilidade vai ser essa. Você vai sempre depender de algum feat, de alguma produção ou de algum contato ou encaminhamento que venha do eixo”, pontua.

A FALTA DO POVO MINEIRO

A quantidade de lugares disponíveis para realizar shows e apresentações também é vista como um problema para o artista. Para ele, criar mais desses espaços seria favorável à expansão da arte de Belo Horizonte. “O poder econômico elimina muitas das possibilidades. Estamos fazendo com pouco recurso”, realça.

O hip hop, apesar de ter um berço tão grande em Belo Horizonte, ainda vive um certo distanciamento da população local, o que contribui para toda essa falta de estrutura. FBC coloca que isso se deve muito à influência que vem do Rio de Janeiro e de São Paulo, já que a falta de divulgação do que acontece por aqui faz com que somente alguns artistas sejam conhecidos.

Fabrício, além de músicas solo, lançou como BestDuo em parceria com Iza Sabino. Levando em frente a ideia de unir para evoluir o cenário artístico, FBC se diz aberto a muitas parcerias. “Quanto mais as pessoas querem falar comigo, mais eu quero falar com elas”, reforça. 

Para o rapper, uma das maiores motivações da sua carreira e vida é trazer uma visão diferente para as pessoas de sua comunidade e mostrar que eles também são capazes de chegar onde ele chegou. O MC é referência de persistência e trabalho no Cabana.

Uma das maiores demonstrações da sua importância para a comunidade foi quando o artista e grafiteiro belo-horizontino, Comum, fez, em um muro próximo a sua casa, uma arte com seu rosto.

“A arte não foi feita por alguém do morro, e eu morava na ocupação na época. Quando fizeram a arte, várias pessoas daqui me mandaram mensagem falando que fizeram uma arte minha. O povo (do Cabana) começou a perguntar quem era no grafite, eles falavam ‘ah, é aquele cara da água, né?’”, relembra.

“E aí, eu não sei nem o que falar, só agradecer ao Comum. Foi também algo que me fez lembrar, “cara, tudo que eu conquistei, o acesso que eu tive ao hip hop de verdade, foi aqui na cabana”, quando eu mudei pra cá através de um projeto de hip hop. É satisfação morar na cabana e ser lembrado como artista, morador daqui, alguém que representa esse lugar. Isso me fez voltar pra cá, querer criar raízes aqui, querer empreender aqui, ajudar as pessoas que tão aqui perto de mim. E só vamos. É só o começo”, ressalta.

Por já ter feito muitas músicas que tratam questões sociais de uma visão mais séria, o rapper fala em abordar um novo lado. “Agora eu quero fazer as pessoas dançarem, se unirem, estarem mais próximas, dançarem juntas, eu acredito que isso é necessário. Eu já falei muito, a obra tá aí e fala por si, agora eu quero ver as pessoas dançando enquanto eu canto”, completa.

O GRAFITE MINEIRO

A cena do grafite de Belo Horizonte também é gigante, sendo responsável por apresentar e lançar inúmeros artistas que hoje em dia são influências, não só dentro da cidade e do estado, mas também no cenário nacional e, até mesmo, internacional.

Tainá Lima, ou Criola, é uma artista nascida na capital, graduada em Design de Moda pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É considerada uma das artistas mais importantes e influentes do país, sendo uma representante da nova leva de mulheres grafiteiras. Em seu perfil do instagram é possível conhecer um pouco mais do seu trabalho.

Maria Raquel, ou Bolinho, se tornou quase que uma marca registrada das ruas de Belo Horizonte. Qualquer pessoa que circula pela cidade já se deparou com alguma arte e com a explosão de cores e da imagem marcante da personagem. Em sua página no instagram, a Bolinho compartilha as inúmeras artes espalhadas pela capital.

Thiago Mazza, formado em Design pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), reproduz muitas artes que retratam a sua paixão pela natureza, tendo grande destaque pela conhecida arte “O Galo e a Raposa”, que fica bem no centro da capital mineira, desenvolvida para o Festival Cura. O artista já fez trabalhos não só no Brasil, mas também em países como Suécia, Rússia, Croácia, México, Espanha e Inglaterra.

Esses são apenas alguns nomes do cenário, que, mesmo com uma grande relevância para a cultura do grafite, ainda não é tão consumido e próximo do seu povo. Muitas pessoas podem já ter visto algumas das artes citadas acima, mas o número de pessoas engajadas com este estilo ainda é baixo, fazendo com que esses artistas ainda não tenham o reconhecimento que merecem.

FESTIVAL CURA E SUA INFLUÊNCIA

Juliana Flores, uma das idealizadoras do Festival Cura (Circuito Urbano Artístico), conta sobre a história do evento e a sua importância para a cultura da arte urbana em Minas Gerais. O festival teve sua primeira edição em outubro de 2017 e surgiu com a ideia de colocar Belo Horizonte no mapa do street art e valorizar a cena local.

Reprodução: Festival CURA

Juju, como é conhecida, conta que a seleção de artistas busca dar vagas e oportunidades de forma igualitária, além de prestar atenção nos assuntos que se destacam na época de cada edição, buscando garantir vagas para mulheres, para artistas negros, indígenas e até artistas “de fora”. Os temas abordados dependem  do que reverbera no momento.

“A cada ano vivemos questões diferentes. Em 2017 ainda não tínhamos uma grande questão, a ideia era mais de colocar o Cura na rua e pensar no protagonismo feminino, porque a arte urbana era historicamente dominada por homens. Já em 2018 estava um contexto de criminalização da cultura, trouxemos isso para dentro do festival e também da inviabilização dos artistas negros”, explica.

Para ela, o objetivo inicial de colocar Belo Horizonte no mapa da arte urbana deu certo e as grandes pinturas nas empenas de prédios da capital foram responsáveis por apresentar artistas relevantes para o cenário internacional.

Ao ser perguntada sobre o PL 230/2017, que promove o grafite como arte e o pixo como uma degradação dos ambientes e monumentos, Juliana afirmou se tratar de um absurdo. “O poder público erra muito ao pensar o grafite como uma forma de combater o pixo, isso não existe nas ruas e não existe entre os artistas”, afirma.

Reprodução: Festival CURA

Ela considera que essa divisão só é vista pelo próprio poder público, pois os artistas urbanos não enxergam desta maneira. A própria cultura reconhece que o pixo se trata de um ato ilegal, porém, ao trazer isso para dentro do festival, eles priorizam a estética, defendendo, assim, a forma de expressão artística. “Essa divisão só interessa aos órgãos públicos ou para quem quer perseguir e criminalizar o pixo”, completa.

Juliana também reforça que a fiscalização tende a ser mais rígida na capital mineira. “O pixo é crime, considerado delito leve, logo não deveria prender ninguém como acontece aqui. Essa perseguição aos pixadores é típica de Belo Horizonte”, argumenta.

“O pixo é praticamente uma performance, a ideia de escalar, de se arriscar, isso é o pixo. Ao trazê-lo para o espaço institucional ele se torna apenas a estética. É uma questão de tempo para as pessoas pararem com a perseguição. Eu pessoalmente admiro essa estética e acho que ela faz parte do contexto urbano”, pondera.

Um dos maiores argumentos durante a apresentação do PL foi a pixação de monumentos históricos, como a Igrejinha da Pampulha e o Obelisco da Praça Sete. Sobre isso, Juliana afirma que, de fato, isso tem um peso muito maior, mas que a própria cultura refuta tal atitude. “Usam de casos isolados para criminalizar todo o grupo, mas realmente não acho legal pixar monumentos históricos”, salienta.

Juliana reforça a importância da sociedade e de organizações, como o próprio Cura, para lutar contra o preconceito e os estigmas que os artistas vivem. “A gente tem que se posicionar. O Cura faz a gente se posicionar, a gente luta, a gente põe a boca no trombone, a gente divulga nas redes. Paralelo a isso, ainda tentamos apoio jurídico e por aí vai”, enfatiza.