Por Samilly Melo

O isolamento, causado pela pandemia da COVID-19, teve início em meados de março no Brasil e, desde então, tem causado diversos impactos no país. Um dos impactos é o aumento considerável do número de quadros de sofrimento psicológico.

Segundo uma pesquisa feita pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, produzida entre os dias 20 de março e 20 de abril, os quadros de ansiedade e estresse tiveram um aumento de 80% durante o período de quarentena, e os números de ansiedade aguda praticamente duplicaram durante a fase, saltando de 8,7% para 14,9% de casos dentre os entrevistados pela pesquisa. Já os casos de depressão, foram de 4,2% para 8% ao final do estudo.

CRIATIVIDADE

É comum que durante o período de isolamento social ocorra uma diminuição da capacidade criativa, tanto pelos fatores associados a elementos psicológicos quanto por falta de estrutura física para as expressões artísticas. Tais problemas afetam diretamente quem usa a arte como trabalho. Para entender melhor como a pandemia impacta na vida dessas pessoas, conversei com dois artistas moradores da região Oeste de Belo Horizonte sobre suas rotinas e adaptações à essa nova realidade.

“TEMPO NEUTRO

O artista Dágson Silva iniciou sua carreira no aglomerado Morro das Pedras, onde cresceu e teve seu primeiro contato com a arte. A partir do grafite, ele teve oportunidade de expressar suas primeiras intervenções baseadas em contextos históricos e culturais por toda a cidade de Belo Horizonte.

O artista, que hoje concluiu seu mestrado na Escola de Belas Artes, no sul da França, compartilhou que durante o começo do período de quarentena, em que não poderia utilizar o suporte técnico de sua escola para criação e andamento de seus projetos, aproveitou para se dedicar à leitura e também para assistir filmes, como parte de seu processo de reflexão criativa.

De acordo com o artista, é parte de seu processo criativo sair e conversar com as pessoas, o que ficou inviável durante a quarentena, tornando sua rotina mais tediosa e sem motivação para buscar estímulo e aproveitar melhor o tempo em casa.

A rotina sem essa dinâmica provocou no artista o sentimento de neutralidade. Dágson acredita que esse processo não o favoreceu nem atrapalhou. Por um lado, ele teve a oportunidade de se dedicar mais às leituras que não eram possíveis devido à rotina agitada, mas, por outro lado, perdeu parte de seu processo criativo por não estar em contato com outras pessoas.

“Acho que esse confinamento não me ajudou nem prejudicou, foi um tempo neutro, acho que esse processo de ficar dentro de casa não favorece o processo criativo”.

Exposição Depois da Chuva (Après la Pluie) – de Dágson Silva – Foto: arquivo pessoal

A fotógrafa e moradora do bairro Estrela Dalva, Káila Odara, iniciou sua carreira em 2015. Desde então, produz fotografias, em sua maioria, de pessoas em ambientes externos. Devido ao confinamento, precisou paralisar toda a sua atividade externa, respeitando as recomendações de distanciamento social propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A fotógrafa relatou que, durante o período inicial, se sentiu mais produtiva e estimulada a exercitar suas técnicas fotográficas, porém, com algumas semanas de confinamento, observou a quarentena afetar o seu psicológico, sentindo uma queda da habilidade criativa.

Contudo, Káila pôde utilizar deste período para se especializar e concluir cursos online. A fotógrafa considera importante continuar suas produções, mesmo que dentro de casa, relatando seu dia a dia para a divulgação de seu trabalho.

“Minha criatividade foi afetada, realmente afeta nosso psicológico e, consequentemente, nosso trabalho”.

Foto de Káila Odara

ARTE COMO FORMA DE CONFORTO

Para quem produz arte, sua atividade é mais que apenas um trabalho, é também objeto de expressão de sentimentos. A arte possui valor sociocultural importante. A cultura tem papel valioso na preservação da história do país. Através dela há a promoção de valores como o respeito às diferenças, reconhecimento de identidade e conhecimento histórico.

Neste momento de isolamento social, ocorre uma baixa de produção, também devido à queda de criatividade, como relatado pelos artistas. Segundo a psicóloga e arteterapeuta Monik Pina, é natural que as pessoas se sintam mais estressadas e ansiosas neste período e, assim, menos produtivas.

Porém, é importante que estes artistas reconheçam a importância da arte para a sua saúde mental, e que possam utilizar dela para enfrentar o momento propício a doenças emocionais. É necessário buscar conforto emocional através da expressão artística.

A arteterapia, especialização ainda pouco utilizada, mas que tem produzido bons resultados, reforça a utilização da arte e do processo criativo como forma terapêutica. Essa prática possibilita o encontro da pessoa com suas emoções, sentimentos e experiências, melhorando a saúde mental através do alívio de estresse.

“A arte nos fortalece para lidar com o paradoxo da própria vida. Ela é uma ferramenta potente para vivenciar nossa condição humana de criar novas realidades e sair do modo automático, que já não cabe mais e só adoece.”

COMO SE (RE)CONECTAR À ARTE

Monik Pina, psicóloga e arteterapeuta, ressalta que cada pessoa precisa encontrar sua própria forma de estimular a criatividade. Neste momento, em que a limitação de espaço físico inviabiliza a busca de inspiração externa, é importante nutrir a imaginação de outras formas, como escutar músicas, ler livros ou escrever.

“A criatividade acontece no ato de fazer e experimentar também. Por isso, acredito que os artistas precisam voltar a colocar sua energia na sua potência criativa, que é certamente fonte de prazer e bem-estar para eles”, relata a arteterapeuta.

Vale salientar que este momento é uma possibilidade para quem antes não estava conectado a produções artísticas poder explorar esta área em busca de mudança na rotina, às vezes maçante, que a quarentena proporciona.

Ainda segundo a psicóloga, para o primeiro contato artístico, é importante explorar todas as formas de expressão em busca da que mais te proporciona bem-estar. É essencial se permitir a novas possibilidades sem se prender exclusivamente ao resultado final, o importante é aproveitar o processo em busca da autoexpressão e conhecimento.