Por Renato Vasconcellos

Filha de Iraci Rita, Vanessa Cristina de Jesus, mais conhecida no Aglomerado das Pedras como “Vanessa Beco”, nasceu no dia 31 de agosto de 1974, na cidade de Belo Horizonte. Além de possuir um amplo perfil e atuação na área cívica, Vanessa é uma educadora autodidata, especializada em temáticas sociais, representando diversas minorias em movimentos como: o Movimento Feminista Negro, o Movimento Negro e o Garantia de Direitos das Juventudes e Cultura Hip Hop. Como gestora, atua no Fórum das Juventudes da Grande BH, e também integra a Organização de Mulheres Negras Ativas e o Coletivo Pretas em Movimento.

Foi eleita, em 2019, como um dos membros do Conselho Tutelar da Regional Oeste de Belo Horizonte, além de ser moderadora das garantias dos direitos raciais e de gênero, devido às atividades sociais desenvolvidas por ela. O seu ativismo sobrepõe às camadas da sociedade, pois a sua capacidade de mobilização e articulação são louváveis.

De fato, o processo de apuração desta matéria demonstrou a grandeza e importância que “Vanessa Beco” tem para as comunidades por meio do impacto social e benefícios promovidos por ela.

ORIGEM

Vanessa denomina a sua unidade familiar como uma “família de mulheres negras”. Segundo ela, a ausência do pai fortaleceu os laços com a sua mãe e com a sua avó, Elza Rita, falecida em 2012, aos 90 anos de idade. A avó veio de Carmo da Mata, cidade localizada no interior de Minas Gerais. O avô, José Liberato, era natural de Belo Horizonte, e faleceu antes do nascimento do seu terceiro filho devido a problemas de saúde. Elza era doméstica e não possuía documentos quando chegou à Belo Horizonte.

 “A minha avó viveu um tempo de escravidão moderna, com o preconceito explícito, não tinha escolaridade. As pessoas no interior cresciam sem documentação, ‘sem lenço e nem beira, sem eira nem beira’, não possuíam registros fotográficos. Os fazendeiros aconselhavam os funcionários a não deixarem as suas filhas freqüentarem a escola, pois arrumariam namorado ”, conta Vanessa.

O COMEÇO DE TUDO

Desde nova, Vanessa participava do grupo de jovens na igreja católica, fazia teatro e adorava as atividades. Ela relata ter sido tocada emocionalmente pela palestra de Hamilton Borges, que visitou o seu colégio. Borges começou sua carreira pública contra o racismo em 1985, em Salvador, residiu em Minas Gerais por alguns anos e inspirou os jovens a fortalecerem a cultura afro-americana. Desta forma, Vanessa conheceu o Movimento Negro Unido (MNU).

 “Ele convidou os alunos para participarem do Projeto Morro Arte, que foi realizado no Centro Catequético na Barragem Santa Lucia. Não tinha ninguém do colégio, somente eu. As pessoas não se interessaram. Quando eu vi o Hamilton Borges no colégio, eu sentia que ele foi palestrar somente para mim”, diz Vanessa.

ASTROLOGIA

Existe uma relação emocional entre Vanessa e o seu signo. Ela é fascinada com o fato de pessoas diferentes terem características e traços de personalidade similares devido às datas do nascimento.

 “Gosto de horóscopo e astrologia. Sou virginiana e tenho, naturalmente, uma postura de observação, organização e cautela. Isso me ajuda a me posicionar. Tenho postura contrária aos aspectos predeterminados pela a sociedade. É importante incentivar as mulheres negras a serem candidatas na política. Precisamos ter acesso aos ‘espaços de poder’, nas instituições privadas e públicas, universidades, conselhos e no parlamento. É importante que pessoas negras e indígenas tenham essa oportunidade”.

OS FILHOS

O abuso do trabalho doméstico atravessou gerações em sua família. Mas os filhos de Vanessa seguiram caminhos diferentes. O filho Jonas Santana de Jesus é culinário e motorista da iniciativa privada. A filha Vanessa Cristina Santana de Jesus, assim como a mãe, “Vanessa Beco”, também possui um nome político-social, e é conhecida popularmente como “Pabline Santana”. A filha possui um plano de negócio por meio da marca “Irun Didi”, que é especializada em tranças e penteados afro-brasileiros. É criadora de conteúdo por meio do seu canal no YouTube “Pabline Santana – Irun Didi.” Segundo Vanessa Beco, “os vídeos são direcionados para a conscientização dos pais no tratamento aos cabelos crespos dos filhos.”

Foto: reprodução Instagram @irundidi

Pabline também é graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. O tema do seu mestrado em audiovisual é sobre as mulheres negras no cinema.

PROJETOS

Vanessa estudou gestão, planejamento e produção cultural. São inúmeros os projetos sociais no qual “Vanessa Beco” atua ativamente. Foi assessora na Secretaria Estadual de Educação, atuou na Superintendência de Modalidades e Temáticas de Ensino no setor escolar Quilombola. Como produtora, foi selecionada pelo Instituto UpDate, de São Paulo, para a coordenação das entrevistas para a pesquisa “Periferias Políticas”, com a participação de coletivos da capital mineira.

Para a televisão, no canal Futura, foi responsável pelos projetos “Diz ai Juventude Afro e Indígena”, e o projeto “Cor da Cultura” em Minas Gerais. Na Secretaria Executiva do Fórum os projetos, participou dos projetos “Juventude Contra a Violência”, “Crescer sem Violência”, “Que Corpo é Esse” e “Que exploração é essa”.

 “Eu já rodei o Brasil. São projetos que trabalham temáticas sociais fundamentais”, relata Vanessa.

Neste momento de pandemia no Aglomerado das Pedras, a campanha “Cores e Sabores” está levantando recursos como cestas básicas, itens de higiene, álcool em gel e máscaras. Já a campanha “Mães da Favela”, distribui cartões de alimentação.

Confira a entrevista completa com Vanessa Cristina de Jesus, a “Vanessa Beco”.

Renato Vasconcellos – Sobre a sua atuação em meio à pandemia: como os diferentes cargos que você ocupa estão auxiliando as pessoas nas comunidades? Você sentiu medo e receio por estar atuando na “linha de frente” contra a Covid-19?

Vanessa – Tem uma preocupação muito grande com essa parada na educação, a situação das aulas online para as crianças mais pobres e até para as crianças oriundas das classes privilegiadas. Há um prejuízo, pois a socialização não está acontecendo, o ritmo e a mudança da rotina requer adaptação das famílias. Mas, para as crianças e adolescentes de camadas populares, das camadas mais pobres da sociedade, o prejuízo é quase que total. É uma falácia comparar o rendimento de uma aula presencial com uma aula online. Essa é uma questão que está pendente, na qual precisamos atuar pelas várias instâncias da sociedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente é bem explícito ao dizer que o poder público e a família são responsáveis pelos menores. Precisamos cobrar, questionar, denunciar e dialogar de variadas formas. Os conselheiros tutelares estão atentos à essa questão. Agora, vivemos a realidade da pandemia, um vírus que verdadeiramente mata as pessoas, então existe toda uma reorganização para precaver a sociedade. As pessoas precisam permanecer em suas casas, mas cabe ao poder público, sobretudo, garantir que as pessoas não percam os seus direitos durante este período. As pessoas, de uma maneira geral, possuem direitos, assim como as crianças e adolescentes, sendo que a escola e o ambiente de ensino são locais priomordiais, esse é o maior desafio.

Renato Vasconcellos – Quais cuidados e recomendações você sugere para a população em geral?

Vanessa – Neste período, a paisagem mudou, o comportamento precisa ser adaptado. É um novo modo de agir, andar pelas ruas de máscara, estar dentro de ambientes, falar, respirar com máscara, não frequentar lugares, e até locais que têm representatividade cultural e a prática do isolamento social. Então, existe um sentimento de perda, de invasão, mas por tratar-se de um momento delicado, é fundamental que as pessoas compreendam a necessidade dessas mudanças. As nossas vidas são muito importantes, é um momento de aprendizado coletivo até para as pessoas individualistas, pois elas precisam refletir e despertar este senso. Agora são todas, todos e todas, não importa o pronome, o gênero, o uso de máscaras é uma proteção empática, a intenção é proteger o próximo. As pessoas não são sozinhas no mundo, existe uma parte da sociedade que se desenvolveu a partir de um senso individual, mas já está compreendido que não poderá ser mais assim.

Renato Vasconcellos – Para finalizar, você tem pretensões políticas?

Vanessa – Eu acredito que todos na sociedade devem ter pretensões políticas, porque isso determina a vida das pessoas, os parlamentos determinam. Nós vivemos em uma sociedade na qual existe o racismo estrutural, que está perpetuado desde a menor instituição até o Supremo Tribunal Federal e à presidência da república. Em todas as instituições, o racismo, o machismo, o patriarcado estão presentes. Quando entramos em um ônibus lotado, podemos observar o efeito social. O ideal seria que todos estivessem em cadeiras confortáveis e dignas. As pessoas têm o direito de transitar, porém as políticas dos serviços de transporte público precisam entregar um produto melhor, as passagens são caras e o sistema é precário. As pessoas precisam ter o desejo de atuarem politicamente, a começar pela unidade familiar, até outras instâncias da sociedade. O povo tem o poder de reorganização, sendo politizadas por meio da conscientização. Existem, literalmente, genocidas em cargos altos na república, são pessoas irresponsáveis e egoístas. A minha pretensão política influencia naturalmente na minha atuação social.