Por Alexandre Santos e Luis Otávio Peçanha 

Os moradores de Belo Horizonte, principalmente os que transitam mais pelo centro da cidade, certamente já se encontraram dividindo o espaço na rua ou calçada com uma carroça tracionada por um cavalo. A grande ambientação urbana da capital mineira ainda não é capaz de esconder suas origens rurais, muitas vezes trazida à tona por tais carroças, que podem estar com seus dias contados.

 No  dia 19 de janeiro de 2021, o prefeito de BH, Alexandre Kalil,  aprovou o Projeto de Lei 11.285, que prevê a substituição gradual de carroças de tração animal por motocicletas adaptadas dentro de um prazo de dez anos. Tal decisão afetaria diretamente cerca de 10 mil carroceiros na cidade, que seriam proibidos de trabalharem.

 Desde o dia da aprovação, a comunidade carroceria, em parceria com a Associação de Carroceiros e Carrocerias Unidos de Belo Horizonte e Região Metropolitana, tem feito inúmeros protestos contra a decisão, usando a frase “A cidade é minha roça” para garantir seus direitos como trabalhadores.

 Alguns dos maiores questionamentos feitos pelos carroceiros para defender seu direito de trabalhar é a tradição familiar que está envolvida, os valores que são carregados de geração a geração, uma origem que faz parte da história da cidade . Além disso, o questionamento dos maus tratos dos animais também é respondido pelos próprios carroceiros. Para eles, os animais não são um objeto, são companheiros de vida, de trabalho, que são cuidados e valorizados pelos trabalhadores e são essenciais para o estilo de vida deles.

Maicosuel, conhecido como Suel, tem 49 anos, trabalha com carroça há cerca de 33 anos e conta sobre o estilo de vida que segue. “Os carroceiros são uma comunidade, sempre que você encontrar um grupo de carroceiros juntos, pode apostar que eles estão falando de carroça, dos cavalos e do seu trabalho”, explica.

Suel também relata que o maior prazer dessas pessoas é estar junto dos seus, e que poder fazer o que ama é algo que os motiva, pois já acordam pensando em seus animais, em alimentá-los, prepará-los e compartilhar com eles mais um dia de trabalho. Tal proibição, segundo ele, prejudicaria uma comunidade inteira. “Isso tudo vai além do trabalho, é a nossa vida, nós vivemos isso”, completa.

Presidida por Sebastião Alves (59), a Associação dos Carroceiros e Carrocerias Unidos de Belo Horizonte e Região Metropolitana, que trabalha coletivamente para mobilizar, informar e, por consequência, proteger os direitos dos carroceiros, argumenta que a troca da força animal pelos veículos motorizados podem gerar mais poluição para cidade, além de um possível aumento nos acidentes de trânsito, uma vez que, segundo o carroceiro, muitos trabalhadores que dependem desse meio de locomoção estão inaptos à habilitação de veículos motorizados por falta de escolaridade.

CARRETO DO BEM

Foto: Amira Hissa/PBH

Sancionada pelo chefe do executivo da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), Alexandre Kalil, no dia 22 de janeiro de 2021, a lei 11.285 propõe a proibição do uso de veículos cuja tração é realizada por força animal. Segundo a publicação do Diário Oficial do Município (DOM), as carroças devem ser substituídas por veículos de tração motorizada, de baixo custo, e manutenção simples, em um prazo de até dez anos após a publicação da lei. 

A lei também  prevê a criação do programa “Carreto do Bem”, que tramitou de 2017 a janeiro de 2021 na Câmara Municipal. Na ocasião, a medida proposta pelo ex-vereador de Belo Horizonte e atual deputado estadual, Osvaldo Lopes (PSD), contou com o voto positivo de 28 dos 38 parlamentares presentes no Plenário Amintas de Barros, nove votos contrários e uma abstenção, culminando na aprovação da lei. 

Caio Barros, militante que defende a causa animal há sete anos e integra o movimento BH sem Tração Animal, explica que a aprovação da lei 11.285 representa um avanço histórico para a causa, porque que a luta pelo fim dos veículos de tração animal na capital existe há décadas e essa vitória só foi possível após a realização de muitas audiências públicas, manifestações e denúncias. “Apesar de muito comemorarmos, esse foi apenas mais um passo. Precisamos, desde já, estarmos atentos para garantir a execução da lei nos determinados prazos, como também fiscalizar para que não haja nenhum retrocesso”, pontua. 

O defensor da causa pondera que a aprovação desta lei é uma conquista popular e salienta: “a população está cada vez mais engajada em realizar as denúncias e cobrar dos parlamentares políticas públicas em prol dos animais”. Caio compartilha que o movimento recebe denúncias de maus-tratos, abandono, infração de trânsito e descarte irregular de entulho relacionados aos veículos de tração animal diariamente. “Dados mostram que, em um período de menos de 3 anos, foram realizadas pela Polícia Militar (PM) mais de 500 ocorrências envolvendo equídeos em Belo Horizonte, isso sem contar os números do DEMA, que é a delegacia especializada em Crimes contra a Fauna, que ainda não tivemos acesso”, ressalta. 

Caio reforça que não existe bem-estar para animais forçados a trabalhar e salienta que a capital de Minas Gerais, além do intenso fluxo de veículos, está geolocalizada em uma região caracterizada pelo relevo acidentado, ou seja, com buracos e desníveis, o que torna o ambiente inapropriado para a circulação de equídeos.  “Como movimento antiespecista, defendemos a abolição das carroças com a reinserção dos carroceiros em outras formas de trabalho.Vale lembrar que, ao sancionar a lei, o prefeito Alexandre Kalil estipulou a criação de uma comissão para tratar desse assunto”, finaliza.